sábado, 3 de setembro de 2011

Treinamento em Ciclismo



Todo treinamento em esporte de alto rendimento submete o organismo a um estresse físico e psicológico intenso e constante. Diversos sistemas e órgãos são solicitados durante um treinamento, ocasionando um processo de adaptação das células, tecidos, órgãos e sistemas, com a finalidade de preparar o organismo para suportar cargas mais elevadas. 
O treinamento de um ciclista inicia-se necessariamente por um planejamento a longo prazo,  deve estar fundamentado em uma periodização, onde serão considerados de maneira minuciosa algum fatores como: objetivo do atleta/competição alvo, tempo disponível em semanas/meses ou anos até a data desta competição, tempo disponível para o treinamento semanal e diário do atleta, nível atual de condicionamento do atleta e nível dos adversários, entre outros fatores. Desta forma, será possível traçar metas, elaborar planilhas e executar os treinamentos diários buscando-se uma evolução do nível de performance de forma gradativa e contínua, conquistando resultados consistentes e que ajudem o atleta a alcançar seus objetivos futuros. 
O ciclismo de estrada é um esporte onde se realiza um esforço fisiológico dos mais intensos, se comparado a outras modalidades, uma vez que as provas tem percursos muito longos (normalmente entre 100 a 200 km), e com longos períodos de duração (entre 3 a 6 horas), o que faz da capacidade de resistência aeróbia um alicerce importante no treinamento a longo prazo. 
O treinamento de resistência gera adaptações cardiovasculares e respiratórias que influenciam de maneira muito significativa a liberação de oxigênio para os músculos em atividade. A capacidade de realizar exercícios de resistência depende da força aeróbia máxima que pode ser desenvolvida (VO2max) e da fração de VO2max que pode ser sustentada. Em exercícios que envolvem uma grande massa muscular, como a corrida e o ciclismo, o VO2max é mais comumente limitado pela liberação de oxigênio aos músculos em ação do que pela capacidade dos músculos de extrair e de utilizar o oxigênio. 
Outras alterações ocasionadas pelo treinamento de resistência são: o aumento da densidade das mitocôndrias do músculo, aumento da densidade capilar, aumento da área relativa da secção transversa das fibras tipo I (fibras musculares especializadas em trabalhos de resistência), elevação do conteúdo intramuscular de triacilglicerol (triglicerídios, que são a principal forma de armazenamento de gordura no corpo, constituindo mais de 95% da gordura corpórea) e aumento da capacidade de utilizar lipídios como fonte de energia durante o exercício. Por esse motivo, atletas deendurance se exercitam com intensidades que ficam entre 80 a 90% de sua capacidade máxima para metabolismo aeróbio. 
A melhora da capacidade aeróbia com o conseqüente aumento do limiar anaeróbio deve ser o objetivo principal dos ciclistas que competem em provas de estradas, sejam elas de contra-relógio ou em pelotão, pois atletas com limiar anaeróbio mais alto conseguem impor uma freqüência de pedalada mais elevada com cargas (metragens) mais altas, o que resultará em velocidades médias muito maiores.
Com o treinamento, o atleta deve ser capaz de suportar cargas com intensidades cada vez maiores e com produção menor de lactato, bem como atingir níveis mais elevados de lactato em atividades intensas. 
Com a finalidade de prescrição e avaliação do processo de treinamento, são empregados diversos testes laboratoriais que fornecem as informações fisiológicas para avaliar o nível de condicionamento físico de um atleta, bem como de suas deficiências a fim de saná-las com o treinamento. 
Para a determinação do limiar de lactato no ciclismo, o protocolo de teste mais utilizado consiste em um exercício na bicicleta ergométrica, precedido de um aquecimento com cargas leves por cerca de 5 a 10 minutos. O exercício então consistirá em um aumento progressivo da potência (geralmente iniciando em 100 watts com aumento de 20 a 30watts) a cada  2 a 4 minutos, com o ciclista pedalando a uma freqüência em torno de 90 a 100 rpm. O exercício é interrompido quando o atleta não conseguir mais manter a freqüência de no mínimo 90 rpm. Em cada taxa de trabalho é retirado sangue para medir a concentração de lactato, que será representada graficamente contra o consumo de oxigênio no momento em que a amostra é coletada, anotando-se também a FC em cada estágio. O resultado mais importante deste teste é a curva de rendimento de lactato, obtida através de um gráfico com os dados da freqüência cardíaca e do lactato sangüíneo para cada carga de trabalho (medida em watts) durante o teste.          
Diversos estudos sugerem que é muito eficaz o treinamento realizado a uma intensidade que corresponda ao limiar de lactato do indivíduo, com o nível mais alto de exercício sendo mais eficaz. Esse nível geralmente corresponde ao ponto em que o nível de lactato sangüíneo alcança 4 mM, sendo aconselhável reavaliações periódicas com a finalidade de detectar possíveis alterações na capacidade aeróbia.
Apesar do ciclismo ser um esporte onde a resistência aeróbia é sem dúvida um fator fundamental, as competições e os treinamentos desenvolvem-se a uma velocidade bastante elevada, o que exige do atleta uma capacidade aeróbia maior. Muitos ciclistas iniciantes não conseguem manter a velocidade alta por muito tempo devido a uma pequena capacidade aeróbia, mesmo que às vezes estes possuam músculos muito fortes e capacidades anaeróbias muito altas. 
Segundo LINDNER (1993), para os treinamentos de longa distância, trabalharíamos com uma intensidade tal que a produção de lactato sangüíneo não superasse os 3 mM, em distâncias que variam entre 50 a 300 km, dependendo da idade, do sexo e da categoria do atleta. Para o desenvolvimento da resistência específica de competição, adotaríamos intensidades de lactato entre 3 e 6 mM, em repetições de 5, 10, 15 ou 20 km. Para a fase de desenvolvimento da resistência de velocidade e velocidade, a intensidade ideal de treinamento é bastante elevada, com a taxa de lactato chegando entre 6 a 20 mM, sendo utilizado o método intervalado, com distâncias de 200, 500 e 1000m para o desenvolvimento da velocidade e distâncias de 1000, 2000, 3000 e 4000m para o desenvolvimento da resistência de velocidade. Para um treinamento especial de força em montanha, o autor aconselha a utilização dos seguintes parâmetros, de acordo com a duração da carga(quadro 1).

Quadro 1: Nível de lactato desejado de acordo com a duração da carga em treinamento de ciclismo (Adaptado de LINDNER, 1993).

Nos dois quadros abaixo podemos comparar os testes de lactato de um atleta em fase inicial de carreira e outro atleta olímpico com 15 anos de treinamento. Observem as diferenças existentes.


Quadro 2: escanograma de um ciclista em começo de carreira em teste sobre bicicleta ergométrica (UDESC, Prof. DELLA GIUSTINNA, 2001).

Quadro 3: escanograma de um ciclista experiente e de alto nível em teste realizado em bicicleta ergométrica (UDESC, Prof. DELLA GIUSTINNA, 2001).
Analisando os dois testes, observamos que na mesma carga, 200 watts, o primeiro atleta já estaria pedalando em condições anaeróbias, enquanto o segundo estaria em uma intensidade muito baixa, podendo manter esta mesma intensidade por várias horas. A FC dos dois atletas também é diferente para o mesmo esforço, com valores de 171 e 145 bpm respectivamente para o primeiro e o segundo atletas. Podemos concluir que a utilização apenas de parâmetros como FC ou carga em watts com a finalidade de definirmos a intensidade ideal de esforço, não nos levará a resultados tão completos e precisos quanto a utilização destes dados somados à avaliação do lactato sangüíneo, pois assim teremos a exata noção do que está acontecendo no organismo do atleta. 
No gráfico abaixo, podemos observar a melhora da curva de lactato de um ciclista após 5 meses de treinamento, onde a intensidade dos treinos foi determinada a partir dos resultados do primeiro teste. Na época em que começamos o trabalho com este ciclista, sua média horária em provas de contra-relógio na distância de 30 km era de 39,5 km/h. Após 5 meses de trabalho orientado em função da produção de lactato sangüíneo, o mesmo atleta conseguiu uma performance de 45 km/h de média na mesma distância, o que está de acordo com a curva apresentada no segundo teste em relação ao primeiro.
Gráfico 1: resultados de dois testes de curva de lactato em bicicleta ergométrica antes e depois de 5 meses de treinamento, de um atleta da modalidade de ciclismo de estrada.
Portanto, a única forma de se treinar adequadamente, é através de uma avaliação precisa do estado atual do atleta, um planejamento adequado e finalmente, a realização do qeu foi planejado. Lembrem-se sempre, treinamento é ciência e não uma receita de bolo igual para todos os atletas. Cada um tem seu nível, suas deficiências e seus atributos.
Procure orientação adequada de um profissional e boa sorte.
Texto publicado na Revista Bike Action, em colaboração com o Ciclista Márcio May. 

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